por Coordenação de Saúde Indígena e Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da SES-MG
A Constituição Federal de 1988 foi o grande marco para a criação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, quando da iniciativa de retirar de seu texto a perspectiva de tutela destes povos e reconhecê-los como cidadãos e cidadãs de fato e de direito. Entre os direitos concedidos está a garantia de atenção diferenciada à saúde (Mendes et al, 2018). Assim, a Lei Federal nº 9.836, de 23 de setembro de 1999, que acrescentou dispositivos à Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. O Subsistema tem como base organizacional os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). No ano de 2002, a Portaria MS nº 254, de 06 de fevereiro do mesmo ano, aprovou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. O objetivo desta política é garantir aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, contemplando a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência entre os brasileiros, reconhecendo a eficácia de sua medicina e o direito desses povos à sua cultura (Brasil, 2002).
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o subsistema de atenção à saúde indígena (SASI) e a Política de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) foram criados como estratégia para garantir o acesso à saúde aos povos indígenas. A PNASPI prevê atenção diferenciada às populações indígenas com base na diversidade sociocultural e nas particularidades epidemiológicas e logísticas desses povos e focando no desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (APS) com garantia de integralidade da assistência (Mendes et al, 2018). O princípio da integralidade no SUS pressupõe, dentre outros elementos, a necessidade de conformação de Redes de Atenção à Saúde regionalizadas, compostas por serviços de diferentes densidades tecnológicas, tendo a APS como um dos seus pilares, capaz de operar com resolutividade e capacidade de coordenação do cuidado (ABRASCO, 2019).
Deste modo, o SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem os povos indígenas para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os níveis de atenção, sem discriminações, garantindo a construção de fluxos e das instituições de referências para o atendimento em tempo oportuno no SUS, dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional (Brasil, 1990).
Outro marco importante na estrutura institucional do subsistema de saúde indígena é a participação social no controle da política de saúde por meio dos conselhos de saúde, uma oportunidade potente de participação da sociedade. No entanto, para que os conselhos de saúde indígena exerçam influência na formulação, controle e avaliação da política de saúde é imprescindível que o Estado ofereça garantia de condições de funcionamento e participe dessa instância de forma mais democrática. Em relação ao modelo de atenção à saúde indígena pode-se afirmar que o conjunto de políticas, diretrizes, programas e projetos que foram introduzidos ao longo dos anos de implementação do subsistema certamente contribuíram para a ampliação do acesso da população indígena aos serviços de cuidado, de promoção e prevenção à saúde, antes inacessíveis. Entretanto, ainda restam desafios a serem superados na resolução dos principais problemas de saúde da população indígena. A mortalidade infantil ainda é o dobro da média nacional e a maior parte desses óbitos têm ocorrido no período pós-neonatal e por causas, possivelmente, evitáveis. Outros desafios também permanecem, como a qualificação de todos os profissionais de saúde para atuação em contexto intercultural (Martins, 2013), a organização dos fluxos assistenciais para média e alta complexidade da assistência, que compreendam as especificidades étnicas e culturais.
É importante ressaltar que SUS e SASI não são sistemas de saúde distintos. O SASI compõe o SUS, com um papel específico e diferenciado. O DSEI, componentes do SASI, tem como função organizar a rede de atenção primária dentro das áreas indígenas de forma integrada e hierarquizada com complexidade crescente e articulada com o SUS. É necessário que o SASI se articule com os estados e municípios para que os mesmos se responsabilizem pela continuidade do cuidado à saúde na rede SUS local e regional.
Em Minas Gerais, encontram-se 11 etnias indígenas (Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Pankararú, Xukuru Kariri, Kiriri, Maxakali, Mokuriñ, Kaxixó, Krenak, Tuxá e Xakriabá) localizadas em 20 municípios mineiros (Açucena, Araçuaí, Bertópolis, Buritizeiro, Caldas, Campanário, Carmésia, Coronel Murta, Guanhães, Itacarambi, Itapecerica, Ladainha, Martinho Campos, Resplendor, Santa Helena de Minas, São João das Missões, Teófilo Otoni, São Joaquim de Bicas, Presidente Olegário e Esmeraldas)
As articulações intersetoriais e intrasetoriais para a garantia do cuidado integral e em saúde para esta população é uma das responsabilidades da Coordenação Estadual de Saúde Indígena e Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG). O objetivo do trabalho é assegurar o acompanhamento e a atenção à saúde da população indígena aldeada no Estado para garantir o acesso ao serviço de saúde com qualidade e, ao mesmo tempo, valorizar suas tradições e costumes.
Para isso, a Coordenação Estadual conta com o Grupo Condutor Estadual, formado por lideranças indígenas, representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), representantes do Distrito Sanitário Especial Indígena, do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems-MG), secretarias municipais de saúde, regionais de saúde e conselho estadual, que atuam em prol dos direitos dessa população.
A Coordenação Estadual também fomenta a criação de grupos condutores municipais nos municípios que possuem aldeias, conforme previsto na Resolução SES/MG nº 7.719, de 22 de setembro de 2021 e na Nota Técnica nº 27/SES/SUBPAS-SAPS-DPS/2021, além de apoiar os municípios com recurso financeiro destinado a complementação das ações de atenção primária à saúde. Atualmente, a resolução vigente que versa sobre este repasse é a RESOLUÇÃO SES/MG Nº 8.022, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2022, que altera a Resolução SES/MG nº 7.719, de 22 de setembro de 2021, que atualiza as normas gerais de adesão, execução, acompanhamento, controle e avaliação da concessão de incentivo financeiro para as ações de saúde especificamente para a população indígena que vive em aldeias no Estado de Minas Gerais, e dá outras providências.
Sobre a população indígena que vive em contexto urbano, é importante que os municípios reconheçam também suas especificidades, garantindo o atendimento integral, equânime e livre de qualquer forma de discriminação na atenção primária à saúde e demais níveis da atenção à saúde, garantindo o cadastro correto nos sistemas de informação e registrando a etnia nos campos disponíveis. Neste sentido, a Política Estadual de Promoção à Saúde (POEPS) traz, em seu indicador número 06, algumas ações que podem ser desenvolvidas para este público.
A Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais acredita que a proposta de gestão compartilhada e dialogada é fundamental para avançarmos na garantia à saúde dos povos indígenas, superando os desafios e garantindo a saúde como um direito universal.
Referências:
Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 254, de 31 de janeiro de 2002. Aprova a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Diário Oficial União. 2002.
Brasil, Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas – 2ª edição – Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_saude_indigena.pdf. Acesso em: 10/03/2022.
Mendes AM, Leite MS, Langdon EJ, Grisotti M. O desafio da atenção primária na saúde indígena no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42: e 184. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rpsp/2018.v42/e184/. Acesso em: 10/03/2022.
Martins, André Luiz. Política de saúde indígena no Brasil: reflexões sobre o processo de implementação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: https://bvssp.icict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/get.php?id=3822 . Acesso em: 10/03/2022.
Brasil, LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm. Acesso em: 11/03/22.